Perda de Tempo
Estou numa casa antiga mas acolhedora, com o teto muito alto e uma ampla sala com uma grande mesa de jantar em madeira. Vejo um bar de canto em madeira, com uma impressionante coleção de garrafas de vinhos, aguardentes e licores de todas as cores e feitios. Reparo que B e J estão comigo; eles mostram-se impressionados com os detalhes arquitetónicos da casa e parecem achar que eu sou o responsável. Estranho, uma vez que não me lembro de alguma vez ter construído uma casa, mas quem sabe? A minha memória já não é o que era. Um gato preto passa por nós a correr e foge pelas escadas em direção ao piso de cima.
“Béééé”
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Acabamos de jantar e saímos para beber uns copos. O café do outro lado da rua tem um aspeto velho mas imponente, com as suas altas colunas em mármore que sustentam o edifício branco de dois pisos. Faz-me lembrar uma lady que reconhece que já passou os seus tempos áureos, mas mantém toda a sua elegância e charme. Observo as placas de madeira que cobrem as janelas do piso de cima enquanto entro pela porta em arco. Ignoro a pista de dança vazia, dirijo-me diretamente ao bar e peço a minha bebida: Vodka Red Bull.
Enquanto espero, uma loira gordinha aproxima-se e encosta a perna na minha. Oiço vozes atrás de nós:
“Olha aqueles dois, ali enrolados.”
“Não acredito! Faz lembrar a cena com a outra …”
“Até tive de ir lá separá-los!”
Quando me viro para trás não vejo ninguém a falar. Uma sombra que não consigo identificar aproxima-se da loira e puxa-a para longe. Menos mal, pode ser que parem de falar de mim por um segundo.
Pego no meu copo, dou meia-volta e encontro Bruna.
“O que é que ela está a fazer aqui?” B parece desconfiada.
“Não te preocupes!” Bruna antecipa-se a mim e acrescenta com um sorriso maroto: “ele não me quer comer.”
“Claro que não. Somos amigos”
No fundo sei que é mentira, mas estou a tentar mostrar a B o meu melhor comportamento e já bastou a cena da do bar. Espero que ela não tenha ouvido os rumores nojentos que andam a espalhar sobre mim.
"Vem comigo. Vou mostrar-te aquilo que tu mais queres.”
Diz-me isto enquanto atira as madeixas douradas na minha direção, que diabo. Ignoro o cheiro a cigarro eletrónico de mentol e sigo-a através de um corredor escuro. Subimos um lanço de escadas estreitas e chegamos ao sótão, cuja única iluminação é a luz da Lua que penetra o breu através de uma claraboia no teto.
O sótão está praticamente vazio, exceto por uma caixa
vermelha com uns 2 metros de altura ao lado de uma alavanca. "Puxa a
alavanca". A caixa abre-se e lá dentro vejo outra mulher, em lingerie, a
dançar num varão. Nas mãos tem duas garrafas: vodka e tequila. Um belo par de amigas.
“O que significa isto?”
“Significa que queres mulheres”, responde Bruna com um tom que me parece algo provocatório.
“Mulheres bêbedas!”
“Cala a boca, Toy. Isso não é verdade.”
Ou é? Olho para B e reparo que o sótão está cheio de gente. Reconheço J, mas mais ninguém. Uma multidão de estranhos reunida para descobrir
aquilo que eu mais quero na vida, que cena bizarra. Oiço os murmúrios da
plateia enquanto B me fita com um olhar expectante.
“Isto diz mesmo o que eu mais quero na vida? Recuso-me a acreditar.”
Os murmúrios ouvem-se cada vez mais, mas param quando olho para a multidão. Sinto que todos os olhos do mundo estão postos sobre mim. "Para onde é que estão a olhar? Pelo menos eu tenho uma vida; já vocês não passam de figurantes numa história sem sentido. Que raio de final é este? Uma grande perda de tempo, é o que é."
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