Esparguete de Chumbo (Parte II)
"Já cavalgamos há horas. Percorremos tudo o que era casa, saloon e bordel das redondezas. Ninguém sabe do paradeiro da Dama.”
A frustração de J começa a transparecer do seu tom de voz. O “clack-clack” metálico ecoa nas enormes paredes de pedra côr-de-laranja que nos cercam por ambos os lados. O sol, como sempre, abrasador. Puxo a frente do meu chapéu para baixo antes de responder:
“Quer dizer, houve aquele tipo, na fazenda logo à saída da cidade, que disse que o gangue não era visto por aqui há anos.” Ignoro o olhar de tédio impaciente que J me lança e continuo: “No fim deste desfiladeiro há uma gruta, deve ser logo a seguir a esta passagem estreita. Se eles não estiverem lá … talvez se tenham evaporado?”
“Parados aí!” uma voz irrompe à nossa frente, seduzindo os nossos olhos na direção de uma mulher esbelta, num fato de couro branco com chapéu a condizer. Mais de vinte homens revelam-se dos seus esconderijos e dão-nos as calorosas boas-vindas de espingarda em punho.
“Desmontem os cavalos e fiquem onde estão.” A mulher aproxima-se a num ritmo de lentidão dramática. Retira o chapéu e revela o longo cabelo ruivo, preso por uma bandana púrpura que usa na testa. “Mais um passo e o almoço é servido: o menu de hoje é esparguete de chumbo. A especialidade da Dama das Sete Mortes.”
J sorri, confiante “Tu és a Dama? Ótimo. Estamos aqui para te levar ao Xerife, viva ou morta. Entrega-te agora, ou sofre as consequências.”
“Entrego-me?” A gargalhada seca da Dama corta o ar como uma bala. “Olha à tua volta, rapaz. Será que sabes contar o número de gatilhos apontados na tua direção? Tenho-vos cercados, e aí o teu amigo não tem aspeto de grande lutador. Estás entre a espada e a parede.”
Ela tem a sua razão, sempre me considerei um pacifista. Safo-me apenas o suficiente para ter sobrevivido até agora. O meu verdadeiro talento são as palavras; o meu papel no nosso gangue é contar as histórias das aventuras épicas que vivemos.
“Entre a espada e a parede é a minha zona de conforto.” J dá o sinal, atiramo-nos para trás da rocha mais próxima e damos início à orquestra de petardos e assobios. Como se os seus olhos fossem mágicos, J antecipa cada movimento adversário e contra-ataca com precisão letal. As suas balas parecem ter vida própria, evitando obstáculos a meio do ar com manobras impossíveis; existem apenas para perseguir uma atração irresistível pelas cabeças dos nossos inimigos. Limito-me a observar enquanto J elimina sistematicamente os homens da Dama. Ele sempre foi o mais hábil com as armas no nosso gangue. Mas a sua especialidade são os explosivos, famosos por aterrorizar os vários bancos que se atreveram a cruzar o nosso caminho. Bem como os oficiais responsáveis por guardá-los.
“Outros tempos”, suspiro. Agora lutamos em nome da lei. Sobram apenas quatro inimigos quando observo a Dama a tentar esgueirar-se em direção à gruta. Corro atrás dela quando …
*KABOOM!*
Do topo dos rochedos explode um trovão que ecoa pelo mundo inteiro. A enorme nuvem de pó esconde, por breves segundos, a derrocada que avança descontroladamente em direção ao desfiladeiro. A nuvem, cada vez maior, cospe de seguida um cavalo com aspeto frouxo e subnutrido. O seu cavaleiro nada lhe deve no que toca à dimensão física: um jovem de cabelo escuro e despenteado, com um ar de timidez traquina.
“Porra Nélio, estava prestes a acabar com eles! Não só chegas tarde como ainda estragas tudo. E o pior é que está longe de ser a primeira vez …”
As rochas aterram com violência; mas de forma incrível o cavalo pousa de pé, numa manobra que se deve muito mais à pura sorte do que à destreza do seu dono. Nélio solta um murmúrio que não consigo ouvir enquanto coça a cabeça. Desmonta o cavalo de forma atabalhoada e, sem tirar os olhos do chão, limita-se a dizer:
“Desculpa, J.”
“Ainda por cima bloqueaste o caminho de volta à cidade. Só mesmo tu.”
“Hey! Aqui, na gruta. Venham ver o que encontrei.”
Agora completo, o gangue corre na minha direção, enquanto exibo o nosso troféu:
“Irmãos, apresento-vos a Dama das Sete Mortes. Selada, embalada e pronta para ser trocada por uma recompensa choruda. Também já estava farto de a ouvir, então tapei-lhe a boca com aquela bandana ridícula.”
“Mmgmfmnbmdmnm”
J avança, triunfante. “Devias ter seguido o meu conselho. Agora, vamos ter de fazer isto da maneira difícil. Difícil para ti, claro.”
Comentários
Enviar um comentário